terça-feira, 24 de junho de 2014

As Dificuldades das Lésbicas Negras nos Espaços Mistos de Militância

"Dentro da comunidade lésbica eu sou negra, e dentro da comunidade negra eu sou lésbica. Qualquer ataque contra pessoas negras é uma questão lésbica e gay, porque eu e milhares de outras mulheres negras somos parte da comunidade lésbica. Qualquer ataque contra lésbicas e gays é uma questão de negros, porque milhares de lésbicas e gays são negros. Não existe hierarquia de opressão."  Audre Lorde

        No post anterior "Mulheres Negras e a Tripla Opressão: Racismo, Machismo e Lesbofobia" falei um pouco de como essas três opressões trabalham para produzir toda a invisibilidade que cercam as lésbicas negras. Com ressalva dos espaços auto organizados, ou seja, construídos por lésbicas negras há uma extrema dificuldade destas mulheres conseguirem articularem-se em outros espaços. Isso acontece porque, como a Audre Lorde fez questão de abordar em "Não Existe Hierarquias de Opressão", é exigido à estas mulheres que se "fragmentem" em categorias isoladas para poderem ocupar os espaços de luta. Isso acaba por sair muito custoso, pois dividir-nos em categorias nos faz ocupar estes espaços como mulheres que não são negras, negras que não são lésbicas, ou apenas como lésbicas que não são negras.

        Lésbicas negras encontram dificuldades em articularem-se no movimento LGBT, como se já não bastassem os problemas tão abertamente colocados devido a invisibilização das categorias lésbicas, bissexuais e transsexuais que muitas vezes ocorrem neste espaço, elas ainda lidam com o terrível problema da ausência ou escassez do debate racial. No final elas acabam, muitas vezes sendo obrigadas a ocuparem este espaço como lésbicas brancas, há então, a fragmentação da cor. Lésbicas negras também vão encontrar dificuldades no movimento negro, pois muitas vezes a sua questão lésbica é suprimida e elas são obrigadas a ocuparem os espaços como mulheres negras heterossexuais, fragmentando-a de sua sexualidade. De qualquer forma quando uma lésbica negra é obrigada a ocupar espaços políticos fragmentando sua identidade ela é invisibilizada pelo mesmo, ela corre o risco até de estar ajudando na construção de uma luta onde ela não será contemplada e isso é muito injusto para com estas companheiras.


        O Movimento feminista também tem grande culpa, que é histórica aliás, na invisibilização destas mulheres. A lesbianidade por si só já é invisibilizada muitas vezes do debate feminista que muitas vezes centra suas pautas nas questões das mulheres heterossexuais e isso perpetua a lesbofobia. E se formos falar da lésbica negra aí já enfrentamos outro problema, o típico "vamos deixar para falar sobre isso num espaço sobre raça". Grande parte dos espaços feministas ao menos sabe pautar a questão racial, muitas vezes se criam sub-espaços para se fazer essas abordagens e, como sempre, ficam a cargo das mulheres negras falar sobre isso. Algo meio parecido com "um espaço pra falar de mulheres e assuntos relacionados a elas e dentro deste espaço um lugar para se falar de raça". Isso é algo que realmente me deixa indignada, e aqui falando em primeira pessoa, porque parece simples sentar para discutir sobre isso e parece que mulheres negras não tem outras questões que envolvem raça a debater. Raça envolve muitas coisas! O racismo atinge mulheres lésbicas negras de forma muito complexa, envolve todos os âmbitos de suas vidas, fica difícil contemplá-las em espaços com esse tipo de metodologia. Acaba que, por final, são obrigadas a trabalhar com "resumões" da sua tão complexa realidade o que deixa muitas outras coisas e detalhes, que também são importantes, de fora do debate.


        Outro problema acontece quando feministas negras colocam suas questões e são incompreendidas pelas companheiras brancas, já não basta não se atentar devidamente à opressão racista, ainda há o problema do péssimo costume, de algumas, em deslegitimarem as feministas negras, tendo como base, (é claro!) todo seu olhar branco sobre o que se deve, ou não, ser validado em relação as negras, de acordo com o que seu histórico branco classifica como importante para as mulheres. Assim como Angela Davis, em "Mulher, Raça e Classe",  pontuou que ocorreu, no início do movimento de direitos das mulheres, no século XIX, ainda hoje, existe este ranço em relação a toda essa dificuldade das companheiras em ver como as opressões dialogam e a dificuldade em ver como elas estão tão profundamente envolvidas nisto tudo quanto as companheiras negras, até por que o racismo chega não só as negras como grupo oprimido, mas chega também às brancas como beneficiadas desta opressão.

        Enquanto estiver faltando a consciência de que todas precisam ativamente batalhar contra a opressão racista; de que machismo, racismo e lesbofobia estão diretamente ligados e de que a libertação real de todas as mulheres só virá pela luta ativa de todas as mulheres (pelas necessidades de todas as mulheres) ainda haverão correntes. Enquanto os espaços ainda exigirem das companheiras esse tipo de fragmentação de suas identidades, não estarão sendo justos para com as mesmas e a tão almejada igualdade continuará longe de nossos olhos.

    "Eu não posso me dar ao luxo de lutar contra uma forma de opressão apenas. Não posso me permitir acreditar que ser livre de intolerância é um direito de um grupo particular. E eu não posso tomar a liberdade de escolher entre as frontes nas quais devo batalhar contra essas forças de discriminação, onde quer que elas apareçam para me destruir. E quando elas aparecem para me destruir, não demorará muito a aparecerem para destruir você." Audre Lorde

Sheu Nascimento


Referências

LORDE, Audre. There Is No Hierarchy of Oppressions. Disponível em: <http://uuliveoak.org/pdfs/worship_9-04-09_excerpts_no_hierarchy_of_oppressions.pdf>.
DAVIS, Angela. Mulher, Raça e Classe. Disponível em:<http://plataformagueto.files.wordpress.com/2013/06/mulheres-rac3a7a-e-classe.pdf>

Imagem fonte:
Moxie. Disponível em: <http://www.dawnokoro.com/powerproject.html>

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