sexta-feira, 29 de agosto de 2014

A Invisibilização da Lesbianidade Negra

       O mundo em que vivemos é tão diverso que mal caberia nesse pequeno texto colocar todas as identidades existentes. Seria lógico que esse mundo sendo tão diverso fosse um lugar onde todas essas pessoas tivessem a liberdade de existir independendo da sua cor, classe social, identidade de gênero, sexualidade dentre outros. Mas a realidade é que, apesar do mundo ser tão diverso, não é para todxs que a “permissão” para existir é dada. São diversas as identidades marginalizadas, mas irei falar sobre as lésbicas negras que existem e resistem todos os dias neste mundo que lhes nega o tão básico direito à liberdade de existência.

       Às lésbicas negras é negado o direito de existir porque o racismo atrelado à lesbofobia trabalhou e continua trabalhando, moldando as relações e estruturas sociais. Às mulheres negras é dada uma “permissão” de existência limitada, desde que seja na pobreza, nas piores estatísticas, na condição de objeto sexual ou na cozinha da casa grande. Já às negras que são lésbicas não há exceções, para elas não há a “permissão” para existirem.


       Como já disse num outro texto, ser lésbica negra é viver num mar de invisibilidade. A lesbofobia é um fator importante para que isso ocorra, mas quando esta se encontra atrelada ao racismo, agrava ainda mais a condição dessas mulheres. Primeiro porque o racismo, junto ao sexismo, ditou que a mulher negra só existe na heterossexualidade, pois seu corpo foi marcado historicamente por uma hiperssexualização com a finalidade de corresponder apenas aos desejos masculinos, negando a elas o direito de usufruir dos seus próprios desejos. Segundo, as mulheres negras são tidas como corpos moldados para o sexo heterossexual e para correspondê-lo de forma completamente passiva às necessidades dos homens. Isso se deve ao fato de que a heteronormatividade ligada ao racismo colocou não só as mulheres, mas também os homens negros em lugares de seres sexualmente selvagens, cujos corpos foram moldados pela natureza para representarem o sexo em sua representação mais animalesca e primitiva, seres sexualmente insaciáveis e donos de uma volúpia incontrolável. Assim, o homem negro é representado como o macho impiedoso e cruel para com sua parceira fêmea e a mulher negra como a fêmea insaciável tendo seu corpo e desejos equilibrados pela natureza para corresponder as necessidades sexuais “brutais” dos homens negros.


       Diante de toda essa construção feita sobre os corpos das mulheres negras, a pergunta é: seria esse mundo capaz de permitir a lesbianidade negra em algum lugar? Se o racismo atrelado a lesbofobia impôs uma heterossexualidade selvagem que parte de um "instinto natural" criado sobre das mulheres negras, para um controle de seu comportamento mediado pela sua anatomia, para às mulheres negras este mesmo mundo seria capaz de reconhecê-las na sua lesbianidade? O mundo as rejeita, as silencia, invisibiliza e as mata por que são mulheres negras que não “copulam” com homens, e por não corresponderem ao que o racismo e sexismo ditaram sobre seus corpos, seu comportamento sexual e sobre quem elas são.

        A partir de todos esses fatores opressivos que recaem sobre os corpos das lésbicas negras, não há nada mais afrontoso para a sociedade racista, machista e lesbofóbica do que uma lésbica negra reafirmar sua identidade. Toda violência que atinge essas mulheres vêem porque elas negam toda essa construção social feita sobre elas mesmas, pelo fato de elas negarem a invisibilidade e inexistência que lhes foram impostas gritando ao mundo que exitem através de sua reafirmação, como ser possível e político. Lésbicas negras existem e são diversas, são da "melhor idade", são gordas, são magras, são ladys ou "butchs", são
mães, são da periferia, enfim... Há um mundo de lesbianidade negra que merece atenção e precisa ser ouvida!

      Nessa semana da visibilidade lésbica escrevo esse texto direcionando a atenção para essas mulheres pois, até mesmo num dia criado para trazer visibilidade à esse grupo, elas ainda são muito invisibilizadas o que é uma consequência real de como o racismo atua agravando violência lesbofóbica sobre as mesmas.


Sheu Nascimento


terça-feira, 5 de agosto de 2014

A invisibilidade das lésbicas negras nos espaços lésbicos das redes sociais

           Meios digitais como o Facebook tem sido bastante úteis no que diz respeito a visibilidades e militâncias, e isso tem sido muito importante e empoderador nos diversos âmbitos políticos. Além de permitir a socialização de idéias, também é um espaço que permite agregar pessoas por suas afinidades políticas, permitindo a comunicação e a aproximação das mesmas, promovendo e enriquecendo o debate. Porém, é notório que neste espaço também há uma intensa reprodução de padrões excludentes, até mesmo nas páginas que se propõem a abordar as minorias e que buscam dar alguma visibilidade as categorias minoritárias, assim como combater os preconceitos e defender seus direitos. Estou falando aqui, especificamente, da grande parte das páginas lésbicas do Facebook, que procuram fazer pelas lésbicas o que as páginas destinadas às relações afetivas heterosexuais, não fazem pelo amor homo afetivo entre mulheres. Páginas estas que se propõem a combater a lesbofobia e defender os direitos da categoria mas que, por outro lado, reproduz padrões estéticos que excluem a diversidade lésbica em diversos âmbitos.

 
         Tempos atrás resolvi dar um rolê na internet com o propósito de ver como se dava a visibilidade das lésbicas negras nesses espaços digitais lésbicos e o que pude constatar foi uma imensa invisibilidade. Tempos depois, especificamente antes de escrever esse texto, fui pesquisar novamente sobre isso, agora vasculhando páginas mais populares, com mais de 20 mil seguidorxs, e vi que nada mudou. É bastante fácil perceber o mar de negação em que as lésbicas negras estão afogadas nos ambientes lésbicos do Facebook. Basta tirar um tempinho para passear por estes canais e perceber, no desenrolar da barra lateral, como fica transparecendo que todas as lésbicas são brancas, magras e elitizadas.

          A representação das pretas é pouco vista, e em algumas dessas vezes, é de forma bastante superficial. Notamos a presença delas algumas vezes quando esses espaços se propõem a falar sobre racismo, mas aí o que podemos observar é uma limitação em imagens de casais inter raciais lésbicos com descrições trabalhadas de uma forma tal qual “não seja racista, fique com uma negra” ou através de imagens isoladas, e raras, de casais afrocentrados. Fica restrito a poucos canais a preocupação com a questão estética e racial que não seja apenas branca, que não seja apenas magra e elitizada.

         A população lésbica não se compõe apenas por esses corpos eurocentricamente padronizados, muito menos acredito que das mais de 20. 000 pessoas que estão nesses espaços sejam, em sua totalidade, esses sujeitos. E porque tanta resistência com os corpos negros e gordos? Será que todas as lésbicas se sentem realmente representadas por essa padronização de corpos? Eu digo que não! Onde estão as lésbicas da terceira idade? As negras? As lésbicas da periferia? As lésbicas gordas? As cadeirantes? Elas não existem? Definitivamente, não há representação da diversidade lésbica!

           
             E o que acontece com essas mulheres que já são tão invisibilizadas, em tantos outros espaços, e quando buscam encontrar as suas semelhantes nesses espaços digitais e se deparam com essa negação alarmante de sua existência? Pontuando apenas uma de tantas, isso destrói a auto estima da pessoa que não consegue se ver como ser possível de existência, todas que não estão incluídas dentro deste padrão excludente de representatividade. É preciso entender que o fato de haver lésbicas brancas e magras nas paginas não é o problema, até porque elas também fazem parte da diversidade lésbica, o problema é achar que a comunidade lésbica se restringe apenas a essa representação, excluindo todas as outras e dar continuidade a reprodução de estereótipos que sabemos que oprime outras lésbicas de diversas formas.

            Se essa exclusão é algo tão facilmente notado nesses espaços virtuais, é porque existe fora dela, fora do meio digital. Trata-se, portanto, de um reflexo do que existe nos meios sociais fora da internet. É muito escuro ter a noção de o quanto que o padrão estético eurocêntrico, imposto às mulheres pelas estruturas sexistas, racistas e gordofóbicas do patriarcado, é internalizado e reproduzido também dentro da comunidade lésbica que, através da anulação da diversidade, visa um ideal lésbico que corresponda às expectativas que nada diferem daquilo que o sexismo fetichista, racista e gordofóbico entende pelo que são, e devem ser, as lésbicas. É preciso problematizar esses estereótipos e não reproduzi-los. Se estamos construindo esses espaços para que possamos nos sentir realmente representadas e visibilizadas, contemplar a diversidade lésbica é essencial para que possamos nos fortalecer realmente e alcançar os objetivos coletivos sem deixar nenhuma mulher para trás.


Sheu Nascimento.


fonte da imagem: Negra e lésbica/facebook